Histórias profundamente enraizadas na cultura chinesa
“Shiki Oriori: O Sabor da Juventude” é uma antologia composta por três pequenos filmes: “Macarrão de Arroz”, “Nosso Pequeno Desfile de Moda” e “Amor de Xangai”.
As três histórias independentes uma da outra, se passam na China e tem bastante foco nos costumes do país, e principalmente, nas mudanças culturais que ocorreram nos últimos 30 anos. Essas mudanças ficam claras conforme percebemos como a tecnologia acelerou a vida das pessoas, ao mesmo tempo que sugava seus corações.
Qualquer análise sobre essa obra que não considere o desenvolvimento econômico acelerado pelo qual a China passou nas últimas décadas e sua culinária vai falhar miseravelmente em capturar a mensagem transmitida.
Macarrão de arroz
A maneira que o personagem fala, combinada com as palavras utilizadas, deixam claro o imenso sentimento de nostalgia. É fácil se identificar com esse sentimento quando vivemos em um momento onde cada vez mais as coisas se tornam distantes. Acho que eu quis dizer pessoas…

Momento de desconexão
A fome está devorando minha alma.
Xiaomin enquanto faz seu caminho diário e tedioso
Uma rara tempestade em Pequim.
Como um gole de sopa fria, o metrô sistematicamente absorve as pessoas.
A dureza da cidade tira a expressão dos rostos.
Provavelmente sou um deles.
Ao passar por um ciclo tedioso para colher o que eu achava importante, senti como se tivesse posto algo no lugar errado.
“Anestesiados”, perdemos a noção de lar.
Tal noção que eu tinha esquecido, agora volta a mim.
Onde foram parar todas as lembranças?
As lembranças de Xiaomin estão, primeiro, ligadas a um prato de comida que ele se acostumou a comer quando criança. Tal prato lhe traz lembranças de um amor distante e de uma juventude, com um sabor maravilhoso.
Para pessoas que não cresceram na China, ou que não conhecem muito o oriente, é importante saber que por lá a comida é amplamente reconhecida como uma das partes mais importantes de sua cultura. Frequentemente as pessoas cumprimentam umas às outras perguntando se elas comeram e oferecendo comida.
Na primeira história logo nos deparamos com o protogonista completamente preso em fluxo de emoções e dizendo frases que mostram duas coisas:
- A imensa nostalgia que ele sente lembrando de tempos muito antigos;
- Uma contemplação pela efemeridade das pessoas e das coisas na vida;
Xiaomin segue sua vida diária relembrando épocas da vida que fazem com que ele sinta que a vida nada mais é do que uma existência completamente sem gosto. Talvez por isso a comparação entre o macarrão que era feito manualmente com todo o carinho do mundo e aquela coisa aparentemente perfeita que uma máquina joga na sua cara por alguns trocados.

Para ele, acima de tudo, a vida perdeu o sabor que tinha na juventude, não só o macarrão. Parece uma experiência puramente triste, mas é a partir dela que ele começa a aprender sobre a vida, e como seu sabor muda com o passar do tempo.
A metáfora aqui é a comparação entre as mudanças que o protagonista passou, que são muito similares a de muitas pessoas vivendo na China e presenciando as rápidas mudanças que a transformaram completamente.
Para uma história curta, “Massa de Arroz” captura muito bem o sentimento de transformação e mudança causados por uma grande aceleração no ritmo que vivemos nossa vida.
Nosso pequeno desfile de moda

Assim como a história anterior, logo percebemos o sentimento nostálgico que domina a protagonista. Sentimento que vem aliado a uma certa confusão em saber o que realmente deseja fazer na vida.
A modelo é grata pela sua altura, o que possibilitou sua carreira como modelo, e basicamente aceitou esse como o único caminho possível, já que se considera sem talento.
Seu próprio sucesso parece não ser o suficiente às vezes, já que a alegria que teve ao aparecer em uma revista pela primeira vez, nem se compara ao sentimento de já ter se acostumado com isso.
Seus sentimentos começam a ficar abalados quando surge uma modelo mais jovem e começa a pouco a pouco roubar seu espaço. Yi Lin se descuida da saúde e ainda acaba brigando com sua irmã, sua principal razão de viver.

A história toma rumos dramáticos, mas no fim Yi Lin consegue se reencontrar. Passando a vestir as roupas desenhadas por sua irmã Lu Lu. Por ser muito mais feliz e encantadora, Lu Lu chega a roubar o foco algumas vezes e nos fazer perguntar: sobre quem é a história mesmo?
A história mostra além da luta contra o tempo, e os sabores da juventude, a luta constante da jovem para permanecer fiel a si mesma e ao que ela considera importante.
Amor de Xangai
Finalmente um romance de fato. Quem me conhece sabe que eu adoro essas histórias, por um simples motivo: esse romance supostamente fantasioso, é algo que pode facilmente acontece com um de nós.

Li Mo, já na vida adulta e indo morar sozinho, encontra uma fita enviada por sua amada, a qual ele nunca ouviu. Diante de um imenso desespero para descobrir o conteúdo da fita, ele resolve voltar ao bairro onde cresceu.
Sua obsessão pelo trabalho e fácil irritação, só mostram que ele quer desviar a atenção de duas coisas que o incomodam constantemente: o amor que ele sacrificou e o sonho que ele perseguiu.

Li Mo, Xiao Yu e Ri Mo cresceram juntos em um antigo bairro condenado a ser demolido. Eles costumavam brincar dizendo que um dia os três iam morar em uma casa de três andares, uma para cada um. Infelizmente o tempo não foi tão generoso com eles, que acabaram separados de maneira dramática.
Aqui mais uma vez temo um elemento que marca bastante as mudanças que o tempo causa no sabor da vida. Quando mais jovens, os três amigos trocavam fitas e isso os deixava bastante felizes. Muitas vezes trocando mensagens entre eles ou até mesmo tentando gravar a aula escondido.
Quando Li Mo sacrifica tudo para entrar em um colégio conceituado e logo aparece com um toca cds dizendo que as fitas já estão ultrapassadas, percebemos como a fase da vida deles mudou.
Admito que chega a escorrer uma lágrima ao perceber o imenso desencontro entre Li Mo e Xiao yu no final do ensino, sendo em grande parte culpa do protagonista que age de maneira infantil.
Esse imenso desencontro marca o começo de toda a frustração do jovem, que segue uma vida que provavelmente não foi a planejada e ainda sacrifica seu grande amor.
Considerações Finais
No geral as histórias trazem mensagens interessantes e com as quais podemos nos relacionar de alguma maneira. Sendo a segunda história e que menos gostei por sentir que faltou algo, apesar de não saber dizer exatamente o que foi.
Como já era esperado do autor, temos um final aberto, o que me agrada particularmente, já que permite que minha imaginação entre em ação. A cena após os créditos onde todo embarcam em um avião é uma clara mensagem dizendo que eles seguiram para novos destinos, e quem sabe, encontrem a melhor versão deles mesmos.
“Risos e lágrimas contidos numa música, que tipo de história contará?
Shiki Oriori, passagem final
A imobilização de ontem…
Guiará nossos espíritos na direção do futuro…
E os passos de hoje ressoarão na conquista do amanhã.”

Carinhosamente
Marcos Mariano
E você, o que achou dessa obra?